A Fisioterapia “chão de fábrica”

A Fisioterapia é uma profissão extremamente técnica. Ela usa recursos avançados advindos de diferentes áreas tecnológicas e científicas, tipo eletroterapia, mecanoterapia ou cinesioterapia. São aparelhos modernos e seguros, equipamentos com design direcionado, métodos de reabilitação (e também de prevenção) inovadores. Assim, a atuação do fisioterapeuta especializado é cada vez mais requisitada em problemas complexos que envolvem paralisia, dermatologia, obesidade, cirurgias, cicatrizações, cânceres e tantos outros distúrbios atuais.

Além disso, áreas antigas de atuação específicas estão em constante evolução. Campos como Ortopedia/traumatologia, pneumologia, neurologia ou pediatria continuam a se beneficiar do conhecimento e da inserção do profissional de Fisioterapia.

Não obstante este processo natural de evolução técnica e tecnológica, tão necessário as profissões que não abrem mão de sua responsabilidade social, existe uma área que eu chamo de “chão de fábrica” da Fisioterapia. É a fisioterapia especializada em neurologia ou fisioterapia neurofuncional.

A fisioterapia que “rala”

“Chão de fábrica” é o termo utilizado na indústria, a fim de caracterizar o trabalho mais duro, mais laboral, mais braçal, que utiliza mais o corpo que a tecnologia, numa palavra comum: que “rala”. Pois é exatamente isto que o fisioterapeuta especializado em reabilitar pacientes neurológicos faz.

Veja o seguinte: o corpo sem a atuação correta do sistema nervoso (cérebro, medula espinhal e demais áreas), que é o principal envolvido com a incrível capacidade de movimentação humana, não tem condições de ficar em pé contra a gravidade e se deslocar no espaço, tornando-o pesado, flácido ou rígido e, muitas vezes, irresponsivo.

As doenças neurológicas fazem isso. Infelizmente, aplicar recursos tecnológicos, por mais avançados que sejam, não vão levantar este corpo. Não de uma forma ativa, na qual o próprio cérebro cria vias de passagem de informações que permitem ao corpo manter-se sem cair novamente ou se movimentando, respondendo às necessidades momentâneas e contextuais.

Quem fará isso, se puder, é o “chão de fábrica”, ou seja, o trabalho do fisioterapeuta especializado que sabe que o sistema nervoso precisa de controle, facilitação, sinergia, repetição, centro de gravidade alinhado, cabeça em cima de tronco, tronco em cima do quadril, quadril em cima das pernas. Que sabe que o paciente flácido precisa ser colocado em pé com talas para as pernas especialmente confeccionadas e que depois, muita força e muito jeito são ingredientes inseparáveis. Que sabe que pacientes pesados não se diferem de pacientes leves, não em termos de recuperação neurológica, mas sim em termos de manuseio redentor.

O “chão de fábrica” é a aquele profissional que não tem apenas dois braços para trabalhar, mas é um verdadeiro polvo, utilizando também as suas pernas, a sua cabeça e o seu tronco para alinhar um paciente inerte. E, se precisar, irá requisitar os braços, as pernas, o tronco e a cabeça de quem estiver por perto para ajudar.

Sim, o trabalho “chão de fábrica” é duro, mas, ao contrário do que se pode imaginar, é um trabalho de alta técnica. Aqui, não há espaço para firulas ou para bonitas retóricas. Só há espaço para resultados. Ou o paciente está melhorando ou ele está piorando. Paciente neurológico, devido a sua condição alterada de movimentação, quase nunca fica estável. Ou ele está melhorando ao longo do tempo pelo trabalho realizado ou ele está piorando pela ineficácia. É claro, existem evoluções degenerativas que nenhum trabalho pode impedir. Mas, no fim, uma melhor qualidade de vida sempre pode sobressair.

Além disso, antigos e novos recursos fisioterapêuticos estão cada vez mais próximos de auxiliar o trabalho do “chão de fábrica”. Estimulação elétrica funcional é útil em muitos casos; biofeedback é fantástico quando bem indicado; contensão induzida gera engramas e treinamento locomotor em esteira com peso parcial está cientificamente testado. Mas os casos neurológicos formam um espectro de diferenças funcionais imensas, onde a maioria, principalmente os mais graves, terão no “chão de fábrica” quase que a única chance de melhorar.

A manufatura do fisioterapeuta

É interessante a atividade do “chão de fábrica” junto ao paciente neurológico. O resultado de seu trabalho é uma manufatura. Manufatura é um sistema de produção com técnica artesanal e máquina tipo caseira, operada quase sempre manualmente. Assim, o fisioterapeuta coloca e amarra calçados; senta e ajoelha no chão; fica descalço; usa muito o seu comando verbal; rola com o paciente; faz como no jogo de xadrez, imaginando três ou quatro jogadas (movimentos) à frente.

Além disso, ele tem a paciência dos que conhecem o caminho; sua experiência lhe deu um GPS que não o deixa se perder; ele sabe que antecipar etapas pode ser útil em certos momentos, desde que não se alicerce novos movimentos em areia solta; ele é capaz de se angustiar com a dificuldade de seu paciente; e, finalmente, ele sabe que estar ali, junto a determinada pessoa necessitada, é estar envolvido num plano maior, no qual ele foi inserido por um motivo: dar de si o melhor, sem considerar o duro trabalho de ser “chão de fábrica”, do qual ele tanto se orgulha.

Dr. Adriano Daudt
Fisioterapeuta
Crefito5 19368F

reabilitacaoneurologica.com.br

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