A Fisioterapia para o paciente em Estado Vegetativo Persistente

O fisioterapeuta vê muito além do estado em que se encontra o paciente

O que significa dizer que a pessoa, após uma lesão cerebral (encefálica), está em Estado Vegetativo? E o fisioterapeuta, o que objetiva em seu trabalho junto a um paciente neste estado? A Fisioterapia para o paciente em Estado Vegetativo Persistente pode levar a resultados benéficos, muitas vezes não esperados.

Referindo-se  as lesões cerebrais maciças, Rowland (1997) diz que “prefere-se o termo estado vegetativo para designar pacientes com ciclos de sono-vigília, função cardiorespiratória intacta e respostas primitivas a estímulos, mas sem evidências de percepção de si mesmo ou do mundo externo. […] O estado vegetativo persistente é definido como um estado vegetativo presente por pelo menos um mês.”

Adams e Victor (1994), em seu clássico Manual de Princípios de Neurologia, explicam que “O estado vegetativo persistente é observado nos pacientes que saíram com dificuldade do coma ou passaram a um estado de demência profunda. O paciente está lúcido [entenda-se em vigília, acordado], pisca ao ser assustado e é capaz de fazer alguns movimentos posturais e reflexos primitivos, mas, fora isso, não demonstra percepção consciente e capacidade de resposta.”

O que acontece na prática

As conceituações sobre o termo, nos diversos textos de neurociências, são semelhantes. Inclusive quando tratam do prognóstico dos pacientes nesse quadro: quase nenhuma esperança de recuperação funcional nos vários âmbitos humanos (físico, mental, emocional…). Uma tomografia computadorizada ou uma ressonância magnética, acompanhantes implacáveis, das quais só os “insensatos” duvidam, corroboram e exacerbam a gravidade do quadro.

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Na prática, o raciocínio, a capacidade de comunicação, a expressão dos sentimentos, a independência dos movimentos, o porquê dos movimentos… enfim, muitas são as perdas.

Os olhos abertos – mesmo com o olhar errante, os movimentos trêmulos ou espasmódicos, os indefiníveis ruídos vocais, a insipiente deglutição de saliva… se apresentam como sinais vivos que pouco impressionam, visto que são as grandes privações que comovem.

A alimentação, a higiene, os cuidados corporais, os deslocamentos… todos transferidos em responsabilidade para terceiros – geralmente, familiares e auxiliares. A capacidade pessoal para tais atos está perdida.

Novos companheiros

Novos companheiros na jornada terrestre surgem: fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e tantos outros. Nem sempre os amigos de antes permanecem, apenas os verdadeiros…

Daqui para frente, uma palavra torna-se imperiosa: reabilitação. Do corpo e da mente. Do ser humano. É a vez da recuperação dos movimentos perdidos ou alterados; da capacidade de sentar e, quem sabe, caminhar…

É quando se evidencia a figura do fisioterapeuta, especialista ou especializado na área, fazendo úteis seus conceitos técnico-científicos, sua experiência e, fundamentalmente, sua prática apurada, objetiva, eficaz…

Então, esse profissional é chamado. E todos esperam, com alguma aflição, o seu parecer. Afinal, o que o fisioterapeuta vê e qual o seu objetivo junto a esse paciente? O que segue, é a opinião do autor.

O que o fisioterapeuta vê

Como técnica de tratamento, a Fisioterapia para o paciente em Estado Vegetativo Persistente depende muito do profissional e daquilo que ele vê. O que o fisioterapeuta vê, antes de tudo, é um ser humano. Uma pessoa colocada, pelo inesperado, em situação de total dependência que, mesmo apenas em seu âmago, solicita auxílio aos que o rodeiam e o amam, a fim de continuar o seu progresso por aqui. Essa pessoa está pedindo, ela tem a necessidade de ser reabilitada, recuperada – muito, pouco, o necessário, o suficiente… Ela não avançou para outra esfera. Ela está aqui, viva. E precisa, mais do que nunca, sentir que todos compreendem isto. O fisioterapeuta experiente, que já acompanhou muitos casos parecidos, sabe o quanto é válido, para o sucesso de seu trabalho, contar com essa postura coletiva.

O que o fisioterapeuta vê, logo em seguida, é tudo o que representa o trabalho a ser realizado, são os subsídios do movimento corporal, seu objeto de intervenção. Verifica a postura, o tônus, os reflexos, as amplitudes, as retrações, os encurtamentos, as possíveis deformidades, o que acontece sentado, o controle de cabeça, os movimentos que respondem à facilitação, os que não respondem, os tremores, os espasmos, as rotações, as exacerbações que permitem ser inibidas, as que não permitem… enfim, tudo o que diz respeito ao movimento – todo o potencial de reabilitação físico-corporal. Além disso, observa o nível de consciência, a resposta a estímulos diversos, como está a capacidade respiratória, o estado da pele e outros aspectos somáticos que são relevantes para o avanço da reabilitação.

E os exames de imagens?

Depois, só depois, se achar necessário, o fisioterapeuta vê a tomografia, a ressonância ou outros exames de imagens. Só depois, se for inevitável, o fisioterapeuta dá ouvidos aos relatos familiares de mau prognóstico decretado por outros profissionais. E, ainda depois, o fisioterapeuta relembra, por responsável que é, do conceito de Estado Vegetativo Persistente e, logo após, como se isso fosse possível, torna a esquecê-lo… pois ele em quase nada auxiliará o trabalho que está por vir.

Da mesma forma, não colaborarão os pedaços de imagens ou as opiniões dos que nunca ou pouco reabilitaram. As pessoas podem perguntar: “É possível recuperar o movimento desses pacientes? É possível que os movimentos voltem, mesmo sem a consciência”. Estas são questões técnicas, prioritárias, que precisam ser esclarecidas.

Estado corporal otimizado

A fisioterapia para o paciente em Estado Vegetativo Persistente deve conseguir manter um nível satisfatório quanto ao estado corporal, incluindo o movimento. Vamos adotar o termo estado corporal. O corpo, formado por articulações, músculos, tendões, cápsulas articulares e outros componentes que influenciam a qualidade do movimento, precisa estar integralmente livre, distante de qualquer limitação ou deformidade. Isso é possível através do manuseio correto e objetivo do profissional.

Através de alongamentos funcionais, máximas amplitudes, regulação de tônus; através da colocação do paciente em posturas diversas, desde o decúbito dorsal até em pé, apoiado em suas duas pernas, com flexões, extensões e rotações de cabeça, tronco, quadril, joelho… Assim fazendo, é muito provável que o corpo, momentaneamente impedido de realizar tais animações voluntariamente, mantenha-se livre, pronto para aceitar qualquer proposta de movimento a seguir. E, para um corpo que passa a maior parte do tempo acamado, isso não é pouco; muito menos fácil.

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No entanto, a despeito da manutenção do estado corporal otimizado, ainda não temos a garantia do retorno do movimento. É importante entender: movimento humano é contração muscular. Sem esta, não existe aquele. O deslocamento corporal ativo é a conseqüência do músculo se contraindo. Se o músculo, único em sua função e obediência ao sistema nervoso, não reaprender a contrair-se adequadamente, não haverá movimento funcional; caso contraia-se com incoordenação, através de espasmos, tremores ou incessantemente, o movimento será inapropriado e, como tal, perigoso para o futuro estado corporal.

A volta dos movimentos é possível?

A volta dos movimentos do paciente em estado vegetativo persistente, missão mais árdua ao fisioterapeuta do que manter um bom estado corporal, é possível em parte, dependendo de diversos fatores. Aqui, se lida com o “remédio” da habilitação e reabilitação neurológica: a plasticidade neuronal ou neuroplasticidade. Fazer áreas não afetadas do sistema nervoso assumirem a função – quanto ao movimento – de áreas afetadas pela lesão, formando um novo e alternativo caminho para a funcionalidade, é a meta e a essencialidade da Fisioterapia Neurofuncional.

Voltando ao questionamento sobre se é possível recuperar o movimento desses pacientes, mesmo sem a consciência retornar: parcialmente sim, é possível! Quanto é possível? A resposta para esta pergunta é vaga e pertence a cada caso. E, talvez, não seja o mais importante a saber.

Sem falsas expectativas

Lembrem do que o fisioterapeuta vê antes de tudo: um ser humano solicitando auxílio para continuar sua jornada; um ser humano precisando ser reabilitado. Isso é fundamental! E poderá ser conseguido, sem se exigir o impossível e sem falsas expectativas, através da aplicação de um trabalho sério, objetivo, incessante, diário (se possível) e muito – muito mesmo! – positivo e esperançoso.

Um paciente em estado vegetativo persistente, porém, bem nutrido, bem cuidado, que recebe carinho e sente o amor dos seus, que lhe é mantido um bom estado corporal, que recebe estímulos variados e que lhe é oportunizado terapias diversas, forjando um somatório promissor, muitas vezes não precisa ter um mau prognóstico. Mesmo que a eloquência de tomografias e ressonâncias o faça.

Deve-se ter o conhecimento científico da gravidade desses casos. E o fisioterapeuta tem! Mas é preciso, também, ter a experiência de resultados passados e presentes. Não há trabalho sem resultados. Em reabilitação, a obstinação, com qualidade, leva a prêmios inesperados.

Fase de reestruturação da consciência e do movimento

Consciência e movimento estão, agora, em fase de reestruturação. Circuitos internos buscam reorganizar-se. Antigas e novas sinapses surgem. Novos caminhos eletroquímicos se descortinam. Quanto ao plano motor, o físico é uma expressão do sistema nervoso. Os ensaios de movimentação, algo despretensiosos, dos braços e das pernas; a cabeça que já não cai sem força; a liberação do quadril, a caixa torácica vigorosa, o ficar de joelhos, em pé…

Quanto à consciência, aparentemente com o cognitivo (que a tudo reconhece e aprende) obstruído, se pode considerar a questão do instinto e da razão. É a vez do instinto, do saber sem sentir, do sentir no âmago. As percepções do meio interno e externo, de alguma maneira, são captadas. As coisas que se falam, as coisas que se fazem, a maneira como se age, muito pode ser percebido e sentido pelo paciente. Assim, cuidado! Nunca pensem e nunca passem para ele que “não tem mais volta”, que é irreversível. Nem sempre é totalmente assim!

É claro que esses pacientes, em sua maioria, não voltarão a ter um nível de interação como antes, provavelmente bem longe disto. Mas, em relação ao seu corpo e ao seu movimento, a melhora poderá ser substancial, com um trabalho de longo prazo. Isso poderá surpreender, até mesmo, aos derradeiros exames de imagens e, por via de conseqüência, aos “ministros” do desalento.

Extrair o máximo potencial

O fisioterapeuta especializado, experiente, competente para a função, que tem objetivos grandes e é pertinaz para alcançá-los, consegue extrair ao máximo o potencial de reabilitação do paciente vegetativo. Como comandante de um navio que se encontra sob tormenta em alto mar, não dá ouvidos aos que nunca recuperaram um barco e o demandaram o porto seguro. O profissional que sabe aonde seu paciente pode chegar, não dá crédito aos descrentes; aos negativos de espírito; aos de pouca fé.

A experiência tem mostrado que o paciente, por mais grave que seja, possui um potencial de reabilitação que precisa ser ativado. Esse potencial é variável de acordo com as conseqüências primárias e secundárias da lesão. Ativá-lo mais ou menos depende da habilidade do profissional de reabilitação. A Fisioterapia Neurofuncional (ou neurológica) especializada é a área que busca isso.

Esperança

Este artigo tem o objetivo de alertar e dar esperança em algo melhor, pois que tal existe. Tem o objetivo de conscientizar a família de que, nessa hora, se faz imperioso o trabalho especializado, com conhecimento, com experiência, com cuidado e com vigor. Não se deve esperar o impossível, mas não se pode permitir ficar abaixo do necessário. E o necessário não é pouco. Caso isso não aconteça, além de não ter ativado seu potencial de reabilitação, é provável que o futuro breve apresente um paciente com deformidades irreversíveis e com uma qualidade de vida, que antes poderia ser muito boa, muito aquém do possível.

Finalmente, talvez seja alentador reproduzir texto da obra Maktub (1994), de Paulo Coelho:

“Enquanto o mestre viajava para divulgar a palavra de Deus, a casa onde vivia com seus discípulos pegou fogo.— Ele nos confiou este lugar, e não soubemos cuidar direito – diz um dos discípulos.Imediatamente, começam a reconstruir o que sobrou do incêndio – mas o mestre volta antes da hora, e vê os trabalhos de reconstrução.— Então, estamos melhorando: uma casa nova! – diz, com alegria.Um dos discípulos, envergonhado, conta a verdadeira história: o local onde moravam fora destruído pelas chamas.— Não consigo entender o que está me contando – responde o mestre. – O que vejo são homens com fé na vida, começando uma nova etapa. Aqueles que perderam a única coisa que tinham, estão em melhor posição que muita gente, porque a partir de agora, só têm a ganhar.”

Adriano Daudt
Fisioterapeuta
Crefito5 19368F

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